
Cesare Beccaria era um marquês. Porém, era um pensador – um iluminista. Não se acomodou ao status quo, que favorecia aos aristocratas.
Pregou a igualdade dos criminosos responsáveis pelo mesmo crime. Que se lhes aplicasse a mesma pena, independentemente da condição social.
“Sejam aplicáveis as mesmas penas às pessoas da mais alta categoria e ao último dos cidadãos, desde que hajam cometido os mesmos delitos.”
O impacto disso, na época, seria o equivalente a obrigar, atualmente, aos membros de todos os poderes políticos a só recorrerem a hospitais e escolas públicas.
A ideia de ‘igualdade perante a lei’ é coisa relativamente recente (formalmente), também por aqui.
Éramos regidos pelas chamadas “Ordenações“. Foram três, ao longo do tempo, carregando o nome do monarca da época:
- Ordenações Afonsinas (de 1446 até 1514);
- Ordenações Manuelinas (de 1521 até 1595);
- Ordenações Filipinas (de 1603 até 1916 – parcialmente)
As Ordenações, apesar do nome, eram compilações de normas editadas pela Coroa Portuguesa, reunidas sem muita ordem, coerência ou lógica.
As regras de Direito Penal só mudariam em 1830, com a promulgação do Código Criminal.
“… olhando um pouco para o Brasil de hoje, em que é tão difícil condenar alguém que tenha dinheiro. Se condenado, é tão difícil levá-lo à prisão. Se levado, e tão difícil mantê-lo nela. Se mantido, é quase impossível que não receba tratamento especial. Este nosso país é tão diferente daquela terra medieval em que foram escritas as Ordenações?” (Hugo Otávio Tavares Vieira)
Os livros de Cesare Beccaria, principalmente o “Dos Delitos e Das Penas“, são considerados as bases do Direito Penal moderno. E ele tinha apenas 27 anos quando o publicou.
Beccaria ataca, entre outros pontos, os julgamentos secretos, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade na aplicação das penas, a atrocidade dos suplícios, o direito de vingança, declara que a pena de morte é inútil, reclama a proporcionalidade das penas aos delitos …
Na sua época, a atividade judiciária representava o sentimento de “vingança coletiva”. O delinquente (pobre) era desumanizado. Contra ele tudo se justificava.
Os juízes tidos como “duros de coração”, carrascos togados, eram os mais estimados.
A tortura era comum, como recurso para a obtenção de “provas” dos crimes, principalmente nos “crimes de opinião”.
Pregava a moderação e a proporcionalidade das penas. Ao invés de penas extremas, defendia a “inevitabilidade” da repressão.
“A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará, sempre, impressão mais forte do que o vago temor do terrível suplício, em torno do qual se oferece a esperança da impunidade.”
Como sabemos, a impunidade invalida o sistema penal. Vale a pena correr o risco do delito; a Justiça provavelmente não o alcançará ou é muito lenta. Não adianta aumentar o universo de crimes ou as penas se a Justiça não é eficaz.
“Quanto mais se estender a esfera dos crimes, serão eles cometidos em maior número, porque sempre se verificará a multiplicação dos delitos à medida que aumentarem os motivos do seu cometimento, sobretudo se a maioria das leis se basearam em privilégios, isto é, na prestação de um tributo imposto à massa geral da nação, em favor de poucos senhores.”
Seu senso de justiça destaca-se:
“As vantagens da sociedade devem ser distribuídas equitativamente entre todos os seus membros.
Entretanto, numa reunião de homens, percebe-se a tendência contínua de concentrar no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, e só deixar à maioria miséria e debilidade.
Apenas com boas leis se podem impedir esses abusos.”
Que texto interessante! Sobre esse Portugal arcaico, a questão da proteção aos poderosos… fez lembrar a morte de Tiradente (Joaquim José da Siva…) era o de “menor cargo”, o restante eram políticos, padres (que era elite na época), fantástico isso aqui. Triste é entender indiretamente que o Brasil de hoje é tão arcaico quanto Portugal arcaico.
CurtirCurtir