Cada cabeça, uma sentença?

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Há um texto introdutório ao pensamento jurídico, “O caso dos exploradores de cavernas“, de Lon L. Fuller, publicado em 1949, que ilustra como um julgamento pode divergir – para um mesmo fato – a partir de princípios legais distintos.

Lembrando: são três as principais escolas de Filosofia do Direito – historicismo, jusnaturalismo e positivismo, entre outras.

“Aceitar as normas jurídicas estabelecidas como inexorável imposição dos detentores do poder é negar ao jurista outra tarefa, que não seja a de executor mecânico das mesmas, significa desnaturar o direito e, mais do que isso, traí-lo.” (André Franco Montoro)

RESUMO DO CASO:

Cinco espeleologistas foram explorar uma caverna. Após avançarem no seu interior, houve um deslizamento de terra. A única entrada ficou completamente bloqueada.

Familiares, ao perceberem que não voltaram, mobilizaram-se em busca de ajuda.

O grupo de resgate que foi formado encontrou dificuldades extremas para a desobstrução da entrada e, enquanto cavavam, mais deslizamentos ocorriam.

Os exploradores tinham levado poucas provisões e na caverna não havia animais ou vegetais que pudessem servir como alimentação.

No vigésimo dia, descobriram que haviam levado uma máquina sem fio, capaz de enviar e receber mensagens. Não importa aqui que aparelho seria. Uma comunicação foi, então estabelecida.

Primeiro perguntaram quanto tempo ainda teriam que esperar pelo resgate. 10 dias foi a resposta.

Houve um longo silêncio. Perguntaram, então, se eles teriam condições de sobreviver por mais dez dias caso consumissem a carne do corpo de um deles. Um médico respondeu que sim.

Perguntaram, finalmente: seria aconselhável que eles escolhessem por sorteio qual deles seria a vítima? Não houve resposta.

Só após 32 dias o resgate pôde ser feito. Um havia sido morto e comido.

Depois de restabelecidos, foram julgados e, conforme a lei local, condenados à morte.

Este era o único curso a ser tomado sob a lei – positivista – vigente.

O próprio juiz, imediatamente, encaminhou um pedido de clemência ao chefe do Executivo, solicitando a comutação da pena para prisão de seis meses.

A lei era explícita: “Qualquer um que, de própria vontade, retira a vida de outrem, deverá ser punido com a morte”. No doubts!

A lei “positiva” aplicada neste caso faz justiça? Ou seria inaplicável neste caso, face às suas peculiaridades? A lei “natural” seria a adequada? A busca pela sobrevivência seria uma forma de ‘legítima defesa”?

A “lei positiva” pressupõe a existência de pessoas em sociedade. São regras de coexistência social.

O direito positivo é um conjunto concreto de normas jurídicas, construído de forma cultural. Estas normas são garantidas pelo Estado por meio das leis. Depende de uma manifestação de vontade, seja da sociedade ou de uma autoridade. Sua validade é temporal e com base territorial.

Já o direito natural, ou jusnaturalismo, é o direito inerente a todo ser humano, desde o nascimento. Ele não depende do Estado e de nenhuma lei, sendo de caráter universal, imutável e atemporal. Este direito se baseia nos princípios humanos e na moral.

Os coitados que ficaram presos na caverna, e que decidiram pelo sacrifício de um deles, estariam – naqueles dias – excluídos do ‘ambiente’ social; estavam fora do “estado da sociedade civil”? Estariam, então, no “estado natural”? Não teriam, já, sofrido o bastante?

Ou, a vida humana tem um valor absoluto e não pode ser sacrificada em nenhuma circunstância?

O tema é polêmico. Minha opinião não importa; por isso faço tantas questões – não sou jurista, o que seria mais uma opinião.

Mas, pensem: quando disponibilizamos armas para todos (que possam compra-las) não estamos pondo a justiça – ‘democraticamente’ – não mãos de todos? A lei positiva, que deveria nos proteger, não estaria sendo relegada?

E, quando assistimos nosso STF dividido entre o “legalismo” e o “realismo jurídico“, de que lado ficar?

Uma pessoa pode violar a letra da lei, sem violar a própria lei? E se a letra da lei contraria o “espírito” que a inspirou?

Ou seja, há leis injustas? Lembram das leis escravagistas? E as que retiram direitos de minorias ou das mulheres?

Etimologicamente, ‘sentença’ vem de ‘sententia‘, que deriva do verbo ‘sentire‘ (sentir).

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “Cada cabeça, uma sentença?

  1. Uma leitura obrigatória, com direito (ou seria mais adequado: obrigação?) a revisitações, até que tenhamos nos apropriado de sua profundidade.

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