
“Faltando 150 metros, ele se distanciou 20 metros de mim e quando vi que ele parou antes da chegada eu fiquei um pouco surpreendido, acho que ele não tinha entendido bem que ainda não tinha chegado e que a meta ainda estava a 50 metros”, respondeu Iván Fernández Anaya a um repórter.
Em 2012, numa corrida de cross-country na Espanha, o queniano Abel Mutai estava ganhando a corrida e achou que já havia chegado à meta. Não entendia o que as pessoas ao seu redor diziam, para que continuasse porque ainda faltavam vários metros. Fernández o alcançou e em vez de tirar proveito da situação para ganhar a corrida, animou o africano a continuar correndo para obter a vitória.
“Acima de tudo nós treinamos para fazer o melhor possível, treinamos muito duro, eu quero lembrar que antes de vencer e acima de tudo está a personalidade de cada um e a esportividade com os companheiros.
Nesta ocasião deixei que ele ganhasse porque meu coração me dizia que ele era o vencedor da corrida”.
Embora Fernández não seja religioso, recebeu da sua família uma formação de valores: “venho de uma família estruturada e tive a sorte de ter os meus pais e não me faltou nenhum dos dois”.
“Ainda que tivessem me dito que ganharia uma vaga na Seleção espanhola para disputar o Campeonato Europeu, eu não teria me aproveitado .
Acho que é melhor o que eu fiz do que se tivesse vencido nessas circunstâncias.
E isso é muito importante, porque hoje, como estão as coisas em toda sociedade, no futebol, no sociedade, na política, onde parece que vale tudo, um gesto de honestidade vai muito bem. ”
Vai muito bem. Ser coerente e respeitar os outros, ajudar quando possível, mesmo em nosso ‘prejuízo’, não é visto pela maioria como um valor; isso é visto como uma coisa ‘tola’. Fernández não foi ‘esperto’.
Vez em quando aparecem pessoas que socorrem outras em perigo, pondo-se ela própria em risco; pessoas que encontram valores e os devolvem, mesmo sendo pessoas necessitadas. Esses eventos viram notícia porque são ‘surpreendentes’; não são a regra.
A corrupção, grande ou pequena, está se enraizando na cultura: tirar vantagem parece ser meritório. Não há estímulo para o trabalho árduo e honesto: o enriquecimento rápido com um mínimo esforço passa a ser desejável.
No ambiente de trabalho, a inveja, a traição, a usurpação, o não reconhecimento, tornam-se atalhos para a progressão profissional, mesmo com a prática da injustiça sobre os colegas. Conheço empresas que incentivam essa prática. Ao invés da confiança mútua, a esperteza.
Há uma prevalência de uma certa ética da conveniência, do egoísmo, do incentivo a uma espécie de ‘darwinismo social’. Valores errados. A humanidade cedendo espaço para um materialismo que, na melhor das hipóteses, está nos levando a uma sociedade doentia e que relativiza o crime.
Certos ambientes forçam o novo ingressante a se ajustar às práticas do meio, muitas criminosas ou injustas. As opções que restam são ‘não jogar o jogo’ e assumir os riscos, ou sair.