
Nelson Ascher nasceu em São Paulo em 1958. É tradutor de poesia de diversas línguas (inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, russo e húngaro), crítico literário, e poeta.
VALE TUDO
Quando nada
mais nos resta
vale tudo
pois se tudo
mais vai sempre
dar em nada
nada mais nos
vale salvo
tentar tudo
mas tentando
nada nesse
tudo ou nada
não por nada
nada é tudo
que nos resta
pois no vale
tudo nada
vale a pena.
FURO N’ÁGUA
Que furo n´água, meu,
é: tudo é um furo n’água.
Suar a camisa embaixo
do sol – a fim de quê?
A hora dos velhos chega,
depois a nossa e nada
muda no mundo. O sol,
que sobe, desce, sobe
outra vez, desce e assim
por diante. Venta ao norte
e ao sul, ao sul e ao norte.
Os rios vão dar no mar:
bom, e daí? o mar
não enche, as águas voltam
ao grid de largada
e a trabalheira é tanta
que nem te digo. Olhar
demais irrita os olhos
e ouvir dói nos ouvidos.
Mas dá tudo na mesma.
A gente só refaz
o que outros já fizeram
e tudo aqui debaixo
do sol é a mesma merda.
Quem chama algo de novo,
se olha direito, vê
que vem do tempo do onça.
Ninguém mais sabe como
foi ontem nem ninguém
depois de amanhã vai
lembrar como é que as coisas
terão sido amanhã.
“Havia um monarca na Grécia
que a todos fez uma promessa:
ser-lhe-ia bem vinda
qualquer crítica ainda
que o autor não prezasse a cabeça.”
“Mulheres se lançam usando
seu não, não que, enfim, se degrada
num sim, sim, porém, dito quando
ninguém lhes pergunta mais nada.”
“Uma mulher se deita qualquer dia
com quem nem bêbado a desposaria
e, então, desposa sóbria algum coitado
com quem nunca teria se deitado.”
“Proibida de fazer amor outrora,
a mulher, livre (graças à vitória
feminista) daquele pesadelo,
pode hoje livremente não fazê-lo.”