
Num 13 de janeiro, em 1825, Frei Caneca era fuzilado (arcabuzado). Os carrascos haviam se negado a enforca-lo.
Como religioso, insistia numa religião ética, que não valorizasse apenas os ritos e cultos. Advogava a necessidade da união entre fé e vida.
Contestava uma religião com preocupações meramente dedicadas à manutenção do rebanho de fiéis, apenas festeira, santeira e devocional, descomprometida em termos de vivência no cotidiano, antes preocupada com o número de devoções diárias, mas que não leva a transformações de vida, a um reflexo no comportamento pessoal, familiar e social.
Uma fé ‘folclórica’, mais voltada à identidade social, grupal.
“A oração eficaz só se encontra nas mãos do justo”. (Frei Caneca)
Sobre o reflexo no comportamento social, queria referir-se ao apreço às virtudes cívicas. Antecipava-se ao que Max Weber definiria como ‘ascetismo intramundano’ ao designar o comportamento ético-religioso do puritanismo anglo-saxão.
Esse pensamento o levou a se envolver na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador. Nesta época, o Brasil estava por ser definido. Continua, até hoje.
Muito sinteticamente, o Brasil monárquico, constitucional e unitário era contestado por várias outras correntes. Aquele foi o pensamento que prevaleceu, defendido pelas elites do triângulo Rio-São Paulo-Minas, que implicava – como temos visto – a marginalização das demais regiões.
Na análise de Roderick Barman, a criação de um Estado unitário no Brasil não foi um “destino manifesto”.
“A adesão das províncias não foi unicamente realizada através da persuasão. A força bruta desempenhou um papel considerável para trazer ao Império regiões periféricas, particularmente as do Extremo Norte.
A formação de um Estado unitário não foi desejada em todo o Brasil, nem sua criação beneficiou todos os territórios que o compunham.” (Roderick Barman)
Na prática, só Bahia e Pernambuco tinham condições de contestar o processo de unificação, porque eram exportadores e tinham boas receitas nas suas alfândegas.
De fato, na Bahia ocorreram, entre outras, a Conjuração Baiana (Revolta dos Alfaiates), em 1798; a Revolução Liberal de 1821; a Federação do Guanais, em 1832, que levaria à Sabinada em 1837.
Entretanto, foi a Província de Pernambuco a que viveu com mais intensidade a luta por suas reivindicações, na Colônia e no Império, com a Guerra dos Mascates (1710), a Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador (1824) e a Revolução Praieira (1848-1850).
O frei e também maçom Joaquim do Amor Divino Rabelo, o frei Caneca, participou de dois desses eventos.
Em sua homenagem, João Cabral de Melo Neto compôs o “Auto do Frade”. Trecho inicial:
NA CELA, O provincial e o Carcereiro
– Dorme.
– Dorme como se não fosse com ele.
– Dorme como uma criança dorme.
– Dorme como em pouco, morto, vai dormir.
– Ignora todo esse circo lá embaixo.
– Não é circo. É a lei que monta o espetáculo.
– Dorme. No mais fundo do poço onde se dorme.
– Já terá tempo de dormir: a morte inteira.
– Não se dorme na morte. Não é sono.
– Não é sono. E não terá, como agora, quem o acorde.
(…)
– Está dormindo como um santo.
– Santo não dorme. Os santos são é moucos. Mas têm os olhos bem abertos. Vi na Igreja.
(…)”