
“Capistrano mergulhara nos estudos históricos não para tirar deles ensinamentos, vulgarização, glória, a perfeição duma obra completa, mas pela avidez de saber, de fartar sua curiosidade peculiar, própria, de se sentir senhor, para gáudio seu, dos segredos do passado.
Não havia no seu espírito a menor preocupação com o grande público.
Proclamava-se a contragosto membro da sociedade humana.
Individualista consumado, aprazia-lhe mais do que tudo fugir do meio atordoante do Rio de Janeiro … Bastavam-lhe uma sóbria alimentação, o silêncio e uma rede.” (Gustavo Barroso)
O cearense Capistrano de Abreu foi um dos maiores historiadores brasileiros.
Não cultivava a fama, nem buscava a glória. Ao final de sua vida, tinha uma profunda descrença no progresso e com a razão iluminista. Estes, pareceriam mais lusco-fuscos do que faróis. Percebia uma crescente perda dos valores – sem nada realmente importante posto no lugar – só futilidades.
Vivia espremido entre uma sociedade semi-analfabeta e a sombra do Estado, representado por oligarquias carcomidas e corruptas, que ele odiava.
Defendia uma reforma na Constituição, pela qual a Carta teria apenas dois artigos:
“Artigo 1º – Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Artigo 2º – Revogam-se as disposições em contrário.”
Ao ser instado a inscrever-se na Academia, respondeu: “fui inscrito na Academia Humana independente de consulta e já acho excessivo.”
Tinha, possivelmente, “uma vergonha de confessar seu próprio fracasso existencial, como extensão e metáfora do próprio fracasso brasileiro como nação”, comenta Elias Thomé Saliba.
“Minhas aspirações, depois de cinquenta anos de Rio – cheguei aqui a 23 de abril de 1875 – reduzem-se a morrer sem escândalo, sair do mundo silenciosamente como nele entrei.” (Capistrano, 1925)
Foi um interessado na história indígena – coisa rara – com um dos seus três únicos livros publicados em vida, destinado ao estudo da cultura e da língua kaxinawá. E, também, com os 23 anos que dedicou ao entendimento do povo bacairis. Assunto que a ninguém interessava. Sua obsessão pelos estudos etnográficos era, possivelmente, uma reação ao ambiente intelectual de sua época.
Todos queriam que ele escrevesse uma história ‘completa’ do Brasil, uma história dos brancos.