
Quando Platão se aproximava dos quarenta anos, ele visitou vários locais, entre os quais, a cidade-estado de língua grega de Siracusa, na ilha da Sicília.
Em sua juventude, Platão havia considerado entrar na turbulenta política de Atenas, mas percebeu que suas reformas, pensadas para a constituição da cidade e nas práticas educacionais eram muito improváveis de serem realizadas. Para ele, a justiça política e a felicidade humana exigiam que os reis se tornassem filósofos ou que os filósofos se tornassem reis. Difícil, sabemos.
Mais tarde, Aristóteles, mais prático, disse: “Repúblicas declinam em democracias, democracias degeneram em despotismo”.
O avô de Cícero o ensinou: “Quando você descobrir um homem que busca o poder, denuncie-o. Se um homem disputa postos porque quer escravizar o povo com promessas de luxos, denuncie-o.”
Platão havia vivido um golpe oligárquico, uma restauração democrática e a execução de seu amado professor Sócrates por um júri de seus colegas atenienses. Estaria escaldado?
“Embora no início eu estivesse cheio de zelo pela vida pública, quando percebi essas mudanças e vi como tudo era instável, fiquei bastante tonto.” (Platão)
Em Siracusa, Platão conheceu Dion, um jovem com pendores filosóficos, cunhado do decadente e paranoico tirano de Siracusa, Dionísio I. Dion se tornaria um amigo.
Não sabemos o que deu nele, mas decidiu testar, em Siracusa, sua teoria de que reis podem ser transformados em filósofos.
Dionísio I, como dito, era louco, e obcecado com a ideia de seu próprio assassinato: não permitia que sua barba e cabelo fossem cortados com uma faca (ele os chamuscavam com carvão) e, forçava os visitantes – até mesmo seu filho Dionísio II e seu irmão Leptines – a provar que estavam desarmados, despindo-os e obrigando-os a trocar de roupa.
Não era um candidato auspicioso ao título de rei-filósofo.
Resultado: o discurso de Platão irritou o rei e este o vendeu como escravo. Ele imaginou que se a crença de Platão fosse verdadeira, então sua escravidão seria indiferente, já que, segundo Plutarco, “ele, é claro, não se machucaria, sendo o mesmo homem justo de antes, iria desfrutar da felicidade, mesmo tendo perdido sua liberdade.”
Felizmente, Platão logo foi resgatado por amigos. Ele voltou a Atenas para fundar a Academia, onde produziu muitos de seus maiores trabalhos, incluindo A República.
Após a morte de Dionísio I, ele voltou a Siracusa duas vezes, tentando em ambas as viagens influenciar a mente e o caráter de Dionísio II, a pedido de Dion.
“Amor, zelo e afeto … que, embora pareçam mais flexíveis do que os laços rígidos da severidade, são, no entanto, laços mais fortes e duráveis para sustentar um governo duradouro”, escreveu Plutarco, refletindo o pensamento de Platão.
Porém, Dionísio II, o filho do tirano, aprendera tudo com o pai, que o manteve confinado e sem educação.
Apesar da avaliação de Platão, já com seus 60 anos de idade, de que o sucesso era improvável, ele se esforçou para tornar real neste mundo a ideia de que “o poder é um meio potencial para um bem maior, não um fim”.
É difícil avaliar o quão perto Dionísio II chegou de uma mudança genuína e permanente no seu caráter. Seus cortesões, porém, não estavam gostando da mudança.
Eles pressupunham que o poder é o bem mais elevado que os humanos podem assegurar. Antecipavam a afirmação de Hobbes de que os humanos possuem “um desejo perpétuo e inquieto de poder após poder, que só cessa na morte”.
Quatro meses após a estada de Platão, Dionísio II acusou Dion de “conspirar contra a tirania” e o exilou.
“Eu aguentei tudo, agarrando-me firmemente ao propósito original para o qual vim, esperando que ele pudesse de alguma forma desejar a vida filosófica; mas eu nunca superei sua resistência”, concluiu Platão.
Dionísio II desejava instrumentalizar a filosofia como mais um meio de alcançar o poder (e de exibição).
Para Hobbes a má vontade e a inveja são características inerradicáveis da natureza humana. Platão, percebia isso e via suas eliminações como pré-condição para a prática da filosofia e, portanto, para o florescimento humano.
Assim, Dionísio II nunca se tornou um rei-filósofo, e Dion acabou morrendo na sangrenta guerra civil que acabou consumindo Siracusa.
Os encontros do filósofo e do rei na Sicília mapeiam perfeitamente a paisagem alegórica da caverna em A República.
“O conhecimento mata a ação; a ação requer os véus da ilusão”. (Nietzsche)
(Esta é uma condensação adaptada do texto ‘Plato in Sicily’ de Nick Romeo e Ian Tewksbury, abaixo)