
Epicuro, criador da escola “hedonista”, era considerado, com desmedida fúria, inimigo da Santa Igreja, pela simples razão de que atribuía a infelicidade dos homens ao duplo medo, da morte e dos deuses. Ele, com sua doutrina, interveio para salvar a humanidade, e desafiar a religião, a fim de trazer aos homens a luz do conhecimento e da verdade.
No inverno de 1417, em um mosteiro do norte da Alemanha, o humanista Poggio Bracciolini encontrou um manuscrito em más condições. Era o poema De Rerum Naturae de Lucrécio, poeta epicurista romano (50 a.c).
Discute-se no que essa descoberta influenciou os acontecimentos que conduziram a humanidade ao Renascimento.
“Acredito que o epicurismo, por meio de seus adeptos diretos e indiretos, tenha resistido e se infiltrado em grande medida em nosso mundo moderno.
Um de seus defensores, e talvez o mais audacioso de todos, foi Lorenzo Valla, humanista e professor de retórica, quem publicara, em 1431, um volume que lhe rendera fama, e má fama; uma obra que ele compôs inspirado pela descoberta de Poggio: o diálogo De Voluptate (Sobre o Prazer). Portanto, 27 anos separaram esse volume da descoberta do texto de Lucrécio que contribuíra para sua concepção”, diz Ana Letícia Adami.
Os epicuristas e os estoicos tinham visões opostas sobre nosso posicionamento no mundo.
No livro de Lorenzo Valla, travam-se debates entre representantes de várias linhas filosóficas. Vejam um entre um estoico e um epicurista:
“Alguém perdeu sua fortuna, poder, entes queridos ou coisas do gênero? Eis que surge o estoico, antes de todos, com o seu semblante hipócrita, para oferecer esta consolação aos aflitos: ‘Os desastres comuns à humanidade devem ser suportados. A fortuna doa os seus bens na condição de poder tomá-los de volta como se fossem um empréstimo. Coisas assim aconteceram com muitos homens e estes as suportaram sem desespero. É inútil chorar. Aquela coragem amplamente reverenciada precisa ser abraçada de coração aberto.'”
Esse é o espírito resignado do estoico: deixar-se afligir pelos caprichos da natureza é dissabor para os fracos.
Para o epicurista, tudo isso traz oculto, sob a nobre intenção de nos liberar da dor, um mal ainda pior, o de nos privar do prazer.
A doutrina da virtude adverte-nos para não nos aborrecermos, mas também para não nos divertirmos. O
que ela nos impõe, então, senão que sejamos feitos de mármore? Justamente podemos dizer que as regras estoicas são como a cabeça da medusa, a qual transforma em mármore todos que a miram.
A dor diante das adversidades é natural, conclui o epicurista; inútil é querer extingui-la.
Valla foi, naturalmente, acusado de panteísta, ao que respondia que “a Natureza nada mais é do que a manifestação de Deus na terra”.
Para ele, importa sim evitar a dor, mas podemos nos entregar a todos os prazeres possíveis … pois não são pecados, são apenas as diferentes maneiras de que Deus dispõe para ser reconhecido por nós, pobres mortais.
A verdadeira meta não é, no entanto, a realização do prazer, mas o caminho que devemos percorrer para chegar lá.
“Ninguém é mais infeliz do que um voyeur num campo de nudistas”, ilustra Luciano De Crescenzo.
Ou, como alertava Freud: “A obtenção do sucesso também é o começo de uma linda neurose.”