
“O meu inconsciente é mais observador que o meu consciente.
Eu, por exemplo, se falo a primeira vez com fulano, não saberei lembrar depois (ou desenhar, o que dá no mesmo) o formato do seu nariz, a disposição das suas sobrancelhas, o jeito da boca, nem mesmo se tinha bigode ou não.
Mas basta encontrá-lo de novo e logo o reconheço – embora em geral não lhe recorde o nome …
Bem! isso de não guardar nomes não sei se acontece a todo mundo …
Aliás, só posso dar testemunho sobre mim mesmo. Qualquer confissão não passa de um testemunho pessoal sobre a natureza humana.
Convém no entanto citar o que li há tempos, num livro póstumo e hoje inencontrável de Antero de Quental, publicado com o título infeliz de ‘Raios de extinta luz’:
‘Se queres conhecer o homem e o mundo,
Não desvias de ti o olhar profundo.
Mas foge de te ouvir e de te ver,
Se a ti mesmo tu queres conhecer.’
Mas o assunto desta crônica era sobre o esquecimento.
Na verdade nunca me esqueço de nenhum nome nem de nenhuma cara. Só que não sei distribuir os nomes pelas caras.
Quanto à observação inconsciente, não sei se com as mulheres é tão inconsciente assim …
Porque (desculpe o leitor se cito a mim próprio depois de Antero) lembro agora um quarteto do meu ‘Espelho mágico’:
‘Ah, quem me dera, ante o espetáculo do mundo
Sem mais hesitações e sem maior fadiga,
Esse instantâneo olhar, incisivo e profundo,
Com que julga a mulher as toilettes da amiga!'”