
“Adib Chammas, quieto ganhador de dinheiro, não falava.
Tinha fábricas, o maior moinho de trigo do mundo, um banco e fazendas. Muitas fazendas. Já nem sabia quantas.
Uma fazenda, contudo, sempre mereceu dele uma especial predileção. Ali, a porteira nunca fechava. As portas da casa sempre abertas. Assim, ele queria.
Um dia, perguntei-lhe o motivo e ele contou, em momento de confidência, sozinhos nós dois, na ampla varanda, ele sentado na rede, olhos postos nos morros redondos, onde o sol, na placidez da tarde, vermelho se punha.
Desde então, reverencio seu nome, pela história que ali me contou.
Aquela fazenda, muitos anos passados, tinha sido de outros patrões. Uma gente fina e raceada, de nome comprido. Cada nome, de sobra, dava para quatro pessoas.
– Estudaram na França. Lua-de-mel na Inglaterra, admirava-se Adib, balançando, com respeito, a cabeça.
Contou, então, que os donos cultivavam café. Uma qualidade famosa, que os colonos, em dia de sol, com rodos de pau, espalhavam nos imensos terreiros da frente da casa.
Certa vez, os trabalhadores interromperam o serviço, porque um turco mascate, com pesada bandeja pendurada no pescoço, e riso tão bom, lhes dizia boa-tarde.
Falou que estava cansado. Pediu água e bebeu, com delícia. Numa fala enrolada, gostoso de ouvir, foi dizendo que tinha andado, de fazenda em fazenda, vendendo lindas coisas que trazia na bandeja e nas malas cobertas de poeira.
Os trabalhadores, em ansiado interesse, formaram uma roda em torno das malas abertas no chão, para apreciar as coloridas camisas, as facas de ponta, o perfume das moças, as medalhas do santo da devoção. As coisas mais lindas de se ver!
Brilhavam os olhos do povo. Num momento o terreiro virou alegre mercado. Todo mundo ria e falava. Ficou parecendo dia de festa.
Foi quando chegou o patrão, montado em seu cavalo de raça, da melhor criação da fazenda.
Num relance, viu tudo. Os homens brincando e se rindo. As moças, contentes, cheirando o perfume. Olhou as pesadas nuvens no céu, o café no terreiro, sem recolher. Nem desceu do cavalo. No galope, pelo meio do povo, chegou bem perto do turco, o chicote fremente na mão.
A cena foi rápida. Não demorou quase nada. Feito raio caído do céu.
Ele mandou que o homem pusesse tudo nas malas. Que pendurasse no pescoço a pesada bandeja. E que corresse até a porteira.
As pernas dobrando sob o peso da carga, o turco mascate, tropeçando nas pedras soltas do precário caminho. O patrão, atrás, no galope, o chicote silvando no ar.
Correram até a porteira, bem longe, que o dono fechou a cadeado, para que o turco nunca mais por ali pudesse passar.
Anos vieram e se foram. As crises se sucederam. O café não valia mais nada. Onde estavam as lavouras, até a distância que a vista alcançava, foi plantado o capim. Acabaram-se as festas de meio do ano, de Santo Antônio, de São João e São Pedro, com fogueiras mais altas que a casa do fazendeiro.
A fazenda ficou sem ninguém. Os trabalhadores, que labutavam, de estrela a estrela, que levantavam nas noites de tempestade para acudir o café, suas mulheres silenciosas, a fileira de filhos pequenos, sem saber aonde ir, de uma só vez, foram lançados na poeira da estrada.
“Pouco depois, eu comprei a fazenda, porque já tinha grande fortuna”, disse-me Adib, com voz embargada.
“Desde então, a porteira nunca mais foi fechada. As portas da casa, para sempre, abertas ficaram. Assim resolvi.
As pessoas chegam, sentam, são servidas. Exaustos, alguns dormem. Ninguém não pergunta de onde que vêm. Ninguém quer saber aonde que vão. Foi a ordem que eu dei.
Assim, desagravo um homem de paz, que andava de fazenda em fazenda, com sol e chuva, sem família e sem teto. Vendendo as coisas humildes que os pobres tanto gostam de ter. A camisa encarnada, o perfume das moças, a medalha do santo da devoção.
Assim, desagravo meu pai, expulso desta fazenda, o chicote silvando no ar. Um turco mascate, de fala enrolada, a alma inocente, com tanta esperança e o riso tão bom!”
Assim, Adib contou-me, na tarde tão quieta, sentado na rede, da ampla varanda, começando a chorar.”
Que historia mais comovente, eu posso me sentir parte da historia do Moinho Sao Jorge, pois meu pai trabalhou nessa empresa e numa tarde, enquanto fazia a fisioterapia, pois teve um AVC e ele todo emicionado, contou para a Renata, sua fisioterapeuta e a mim, o dia em que ele foi garcon, em uma das festas, que ocorriam, no lindo salao do Moinho e ele falou das belezas que haviam naquele, lindo salao. Ddsde entao tenho um sonho de poder conhecer, esse local que fez meu pai se sentir tao feliz, por servir aquelas pessoas.
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