“liberdade humana fala sempre em comunicação e encontro”

Hélio Pellegrino defende psicanálise critica e escreve mais de 250 poemas |  Acervo
(Hélio Pellegrino)

O mineiro Hélio Pellegrino era psicanalista, escritor e poeta. Viveu 64 anos, até 1988. Marcou muitos por sua capacidade de aglutinação e por uma certa liderança entre colegas intelectuais.

Encontrei uma entrevista dele, feita por Clarice Lispector – infelizmente não tenho a data -, e selecionei algumas falas.

Para Clarice, Hélio tinha como traço marcante a tolerância e “um amor que ele distribuía quase sem sentir”.

Clarisse pergunta: Hélio, é bom viver, não é?

HP: Viver, essa difícil alegria. Viver é jogo, é risco. Quem joga pode ganhar ou perder. Se sei perder, sei ganhar. Se não sei perder, não ganho nada, e terei sempre as mãos vazias.

Quando a gente chega a aceitar, com verdadeira e profunda humildade, as regras do jogo existencial, viver se torna mais do que bom – se torna fascinante.

Viver bem é consumir-se, é queimar os carvões do tempo que nos constitui.

Somos feitos de tempo, e isso significa: somos passagem, movimento sem trégua, finitude. A quota de eternidade que nos cabe está encravada no tempo. É preciso garimpá-la, com incessante coragem (…)

A gente, no fundo, tem medo de nascer, pois nascer é saber-se vivo e – como tal – exposto à morte.

Escrevo para – quem sabe – manter a ilusão de que tenho um tempo longo pela frente.

CL: Qual é a sua fórmula de vida?

HP: Há, no Diário Íntimo de Kafka, um trecho ao qual gostaria de permanecer para sempre fiel, fazendo dele minha fórmula de vida: “Há dois pecados humanos capitais, dos quais todos os outros decorrem: a impaciência e a preguiça. Por causa de sua impaciência , foi o homem expulso do Paraíso. Por causa de sua preguiça, não retornou a ele. (…) Tenhamos paciência – uma longa, interminável paciência – e tudo nos será dado por acréscimo.”

Sobre sua profissão, psicanalista, disse: “A psicanálise é, para mim, a ciência da liberdade humana. Quem fala em liberdade humana fala sempre em comunicação e encontro. Não há liberdade sem abertura ao Outro, sem consentimento na existência do Outro como tal e enquanto tal. Os distúrbios emocionais podem ser conceituados em termos de limitações ou distorções nessa abertura, implicando uma perda de disponibilidade com respeito ao Outro.”

Sobre Deus: “Deus é o Ser em si mesmo, fundamento de todos os entes, abismo insondável de cujas profundezas todos os entes brotam. Deus é a raiz última de todas as coisas. A glória, a graça e o solene mistério de todas as coisas decorrem da presença do sagrado nelas.”

A CEGUEIRA DE ÉDIPO
Caminha errante o velho rei da terra,
sangrando a cada passo o seu desterro.
Pesa-lhe luz demais, ausência de erro
e de noite — montanha que o soterra.

Cego de sua verdade, desenterra
do peito transfixado não o ferro
que o punge por inteiro, nem o berro
que lhe sobe das entranhas, enquanto erra.

Com sua garra terrosa de mendigo,
busca arrancar da carne não a morte
que o rodeia na treva, vinho forte

desde sempre provado. O desabrigo
que o atormenta é outro: sol candente
que vara a sua cegueira — e o faz vidente.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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