
“O dia em que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz, era 3 de maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz, em que Cristo Nosso Redentor morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra, que havia descoberta, de Santa Cruz, e por este nome foi conhecida muitos anos: porém como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio, que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que tinha nos desta terra, trabalhou que se esquecesse o primeiro nome, e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau assim chamado, de cor abrasada e vermelha, com que tingem panos, que o daquele divino pau que deu tinta e virtude a todos os sacramentos da igreja, e sobre que ela foi edificada, e ficou tão firme e bem fundada, como sabemos (…) nem depois da morte de el-rei d. João Terceiro, que o mandou povoar e soube estimá-lo, houve outro que dele curasse, senão para colher suas rendas e direitos; e deste mesmo modo se haviam os povoadores, os quais por mais arraigados, que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal (…) os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem, e a deixarem destruída.
Donde nasce também, que nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular.” (Frei Vicente do Salvador, História do Brasil, 1627)
Coitado do Brasil. Aparentemente, bonito e ‘pobre’: não encontraram especiarias nem ouro ou outro metal precioso; só o pau-brasil atraia algum interesse. Por quase dois séculos, era um estorvo. Até que, finalmente, descobriram ouro em Taubaté, em 1697. Aí começou a loucura.
Frei Vicente do Salvador (1564-1639) é conhecido como Pai da Historiografia brasileira. Era franciscano. Admirava a obra de Bartolomeu de las Casas e, também se empenhava na ‘causa’ da evangelização dos índios.
E apostava no Brasil: imaginava que o país poderia ser a futura sede de um grande Império Português. Segundo Darcy Ribeiro, ele “foi o primeiro intelectual assumido como inteligência do povo nascente, capaz de olhar nosso mundo e os mundos dos outros com olhos nossos, solidário com nossa gente, sem dúvidas sobre nossa identidade, e até com a ponta de orgulho que corresponde a uma consciência crítica.”
Embora separados por mais de dois séculos, o moralista Capistrano de Abreu o considerava um “amigo vivo” e, conta-se que ficou muito triste porque, nas suas palavras: “Descobri, apurei, verifiquei, comprovei que a mãe de Frei Vicente foi uma viciosa, uma desonesta, uma senhora de vida escandalosa! Para que diabo foi essa mulher cair na prostituição?!”