
Em 1946, Eric Arthur Blair, um inglês de 43 anos, alugou uma casa no norte de uma ilha escocesa, no fim de uma trilha de terra, inacessível por carro, sem telefone e sem luz elétrica. No fim do mundo. Queria isolamento.
Sua esposa havia morrido recentemente, estava com tuberculose e logo começariam as hemoptises.
Seu país estava sufocado sob o custo de uma vitória militar sobre a ditadura alemã, mas que não trouxera segurança, prosperidade e nem mesmo a certeza de sobrevivência da liberdade. O certo é que viria a destruir o maior império do mundo em termos territoriais, pertinazmente construído desde 1583.
A Europa começava a se dividir em dois campos inimigos. Era o início da Guerra Fria. A expectativa de uma nova guerra era aterradora: com o emprego de bombas atômicas, uma nova guerra seria o fim – da humanidade.
Ele também queria terminar um livro, que finalmente concluiu em 1948. Invertendo os dois últimos números, chamou-o “1984“. Lançou-o sob o pseudônimo de George Orwell. Previa que, três décadas e meia à frente, o mundo estaria subjugado ao totalitarismo.
Lei, individualidade, ética, criatividade, honestidade sobre a história e até o amor estariam sufocados.
O modelo do ditador era Stálin, o ‘Big Brother‘.
“Se queres ter uma visão do futuro, imagina um tacão chutando um rosto humano – para sempre.”
Orwell morreria dois anos depois, há 70 anos. Seu Ministério da Verdade continua em formação, mundo afora, com o fortalecimento diuturno de seus três slogans:
- Guerra é Paz
- Liberdade é Escravidão
- Ignorância é Força.
Já em 1944, no calor da II Guerra, antevira a polarização necessária por futuros mandatários, candidatos a ditador:
“Admitir que um oponente possa ser tanto honesto como inteligente é visto como algo intolerável.
Bem mais satisfatório, em termos imediatos, é gritar que ele não passa de tolo ou canalha, ou ambos, do que descobrir o que ele é de fato.
Esse hábito mental, entre outras coisas, é o que torna a previsão política tão extraordinariamente ineficaz em nossa época.”
Essa radicalização é indispensável para manipulação de adeptos, que se alimentam do terceiro slogan (Ignorância é Força), para chegar-se aos outros dois. Uma ferramenta é o “duplipensamento“, que consiste em “saber e não saber, ter consciência da verdade honesta e completa contando mentiras meticulosamente engendradas …”
Os atuais “fatos alternativos”, o fake escancarado, os negaciosismos ambientais e científicos, a louvação à ditadura, teorias conspiratórias, dizer que “a escravidão foi benéfica para os descendentes”, e outros pronunciamentos “espontâneos”, procuram reescrever a história, por em dúvida conceitos éticos e fazer as pessoas quererem acreditar em coisas absurdas. São engrenagens que levam ao lema “Liberdade é Escravidão“.