
“Havia Henri, que trabalhava nos esgotos. Era um sujeito alto e melancólico, de cabelos crespos, com certo ar romântico em sua longas botas de trabalho.
A peculiaridade de Henri era não falar por dias a fio, exceto por motivos de trabalho.
Havia apenas um ano, tinha um bom emprego de motorista e vinha guardando dinheiro.
Um dia, apaixonou-se e quando se viu rejeitado pela garota perdeu o controle e deu-lhe um chute. Ao levar o pontapé, a garota se apaixonou desesperadamente por Henri e, por quinze dias, viveram juntos e gastaram mil francos das economias dele.
Então, a garota foi infiel; Henri enfiou-lhe uma faca no braço e foi parar na prisão por seis meses.
Assim que foi esfaqueada, a garota ficou mais apaixonada que nunca, os dois fizeram as pazes e resolveram que, quando saísse da cadeia, Henri compraria um táxi, eles se casariam e iriam morar juntos.
Mas, quinze dias depois, a garota foi infiel de novo, e quando Henri saiu da prisão ela estava grávida. Henri não a esfaqueou novamente.
Tirou todo o dinheiro da poupança, desandou a beber e acabou na cadeia por mais um mês.
Depois disso, foi trabalhar nos esgotos.
Nada o fazia falar. Se lhe perguntavam por que trabalhava nos esgotos, não respondia, apenas cruzava os pulsos, para dizer algemas, e apontava com a cabeça na direção da prisão.
A má sorte parecia tê-lo deixado abobado em um único dia.” (George Orwell)
Orwell, desempregado e decidido a tornar-se escritor, foi morar em Paris, em 1928.
Morava num hotel barato, um pardieiro escuro e inseguro, onde “longas filas de percevejos, perto do teto, marchavam o dia inteiro, como colunas de soldados, e à noite caíam sobre nós com um apetite devastador, de tal modo que precisávamos levantar de tempos em tempos e matá-los aos magotes.”
Depois, voltou para Londres, onde levou vida de mendigo, saltando de albergue em albergue, até finalmente conseguir um emprego de preceptor de um retardado mental.
“O bairro pobre, com sua imundície e suas vidas bizarras , foi minha primeira lição prática de pobreza e, depois, o pano de fundo de minhas experiências.”