
“Há um ipê na frente de minha casa. Um ipê amarelo, plantado com minha mão. Nobre árvore, consagrada como símbolo da Pátria.
Cada ano, no rigor de um rito, num relance de dias, ele floresce e se apaga, recamando o chão de flores de ouro. (…)
Ontem, um homem estava sentado junto da árvore. Era um mendigo. Um humílimo pedinte, já no fim de sua refeição. Sentado na guia de pedra da calçada, ele olhava um ponto, sem ver. Na mão, sem mais nada, um pequeno prato de metal.
Quebrei-me, vencido, na contemplação da patética figura.
Surpreendido, o homem como que despertou. Entre interrogativo e temeroso, ele acusou-se, em pungente expectativa: – Fui eu. O senhor não tenha receio. Eu devolvo o prato. Boto até no mesmo lugar.
Custei a responder. A palavra não vinha. Foi com esforço que pude dizer: – Quando for embora, por favor, coloque o prato na sombra daquela planta, junto ao portão de serviço. É o prato do gato.
– O senhor não zangou?!
– Não, não foi nada. Passando aqui, toque a campainha. Haverá sempre um prato melhor para o senhor.
– Perdão, meu senhor, perdão – explodiu o homem, num soluço. – Perdão pela minha pobreza.
– Não, não – quase zanguei, não me peça perdão. O senhor sim. O senhor é que me deve perdoar. Isso sim. A mim e a todos nós, todos aqueles que nada fizeram nunca em favor de ninguém.
Já dentro de casa, pensei no episódio. E senti o coração apertado. De remorso.
Um irmão nosso, um filho de Deus, com uma alma, por certo, que se valera da ração de um gato de rua!
Sentado junto do ipê, sem flores, porque já bem longe andava a primavera.
Um homem envergonhado de sua pobreza!
Tudo isso, na véspera do Natal, junto ao pé de ipê amarelo, a nobre árvore, símbolo da Pátria.”