
O cearense Delmiro Gouveia (1863-1917) foi uma espécie de Mauá nordestino, um pioneiro do capitalismo. Fez-se por si mesmo, era autoritário, decidido e corajoso na adoção de novas técnicas.
Construiu o Mercado do Derby, em Recife, considerado um dos primeiros shopping centers do Brasil; o Grande Hotel Internacional, então um dos melhores das Américas; investiu na produção de sal em Mossoró; teve iniciativas para implantar hidrelétricas, com o propósito de levar eletricidade para todo o Nordeste, semeando o que hoje é a CHESF; e fundou uma fábrica de linhas de costura, o que contrariou os interesses ingleses. Foi perseguido e assassinado em 1917.
Aos cinco anos, sua mãe transferiu-se para o Recife, após seu pai – um tropeiro de mulas – morrer na Guerra do Paraguai, na qual participara como voluntário. Sua mãe morre quando ele tinha 15 anos. Trabalhava, à época como condutor e cobrador de carruagens ferroviárias (maxambombas).
Após casar-se, passa a negociar couros de todo tipo (boi, jegue, bode …). Seus dois negócios seguintes fracassam.
O Nordeste passava pelo processo de esvaziamento econômico e político que deixaria a região na periferia de um país periférico.
“Dia por dia vão-se modificando mais profundamente as condições de existência do norte e do sul do Império, por culpa sobretudo da centralização monárquica, que absorveu todos os recursos e toda a vitalidade das províncias do norte, sem jamais satisfazer o múltiplo e variadíssimo encargo que assumira, criando esta situação em que metade do Brasil, do São Francisco ao Amazonas, é como um cadáver que se decompõe, atada à outra metade que o espezinha.” (Jornal do Recife, 1868)
Neste período, a economia nordestina agonizava, com a depressão nos preços do açúcar e o algodão no mercado internacional (entre 1873 e 1896 houve uma grande depressão mundial) e a grande seca de 1877 a 1879, entre outras dificuldades. Além disso, havia os privilégios econômicos que o Império concedia às regiões sulistas.
Apesar desse cenário, ele prospera. Chega a ser “elogiado” no sul: “Delmiro Gouveia, um tipo, no físico, no moral e no mental, verdadeiramente representativo da forte e tenaz sub-raça do infeliz Nordeste brasileiro. Aspecto acaboclado, energia indomável e inteligência aguda”, registrou Gustavo Barroso, no Diário de Notícias, de Porto Alegre, em 1898.
Seu sucesso empresarial e social atrai a inveja e retaliações de políticos enciumados.
Descobre que um pistoleiro foi contratado para matá-lo; o Derby é incendiado, com instalações e estoques reduzidos a cinzas. A polícia atrapalha o combate ao incêndio e o leva preso, pelas ruas de Recife, insultando-o afim de conseguir um pretexto para matá-lo. A população reage, sabedora de que o incêndio fora causado pela polícia; o comércio fecha as portas, os jornais deixam de circular … Delmiro é solto e parte para a Europa.
Pede concordata, que não foi aceita; vai à falência. Mas não desiste.
Cria uma nova empresa, onde ele aparece como “árbitro” entre os sócios, já que não poderia aparecer como proprietário. Depois, o projeto de exploração da cachoeira de Paulo Afonso para a produção de energia. E, a fábrica de linhas de coser, marca Estrela.
O plano não se limitava à fabricação de linhas; previa a organização do trabalho e da própria vida dos funcionários, com o objetivo de superar o atraso dos sertanejos. “Isso incluía não apenas a pioneira utilização de energia elétrica e de matérias-primas nacionais para a produção, como também a construção de uma vila operária, com saneamento básico e luz elétrica, ambulatórios médicos, dentistas, cinema, pista de patinação, banda de música, correios…” (Vinícius Carneiro de Albuquerque)
Os ingleses da Linhas Correntes, que monopolizavam a produção (a partir da importação do produto semimanufaturado) de linhas de costura, não gostaram. Tentaram comprar o negócio. Delmiro recusou.
No dia 10 de outubro de 1917, enquanto Delmiro lia os jornais no terraço de sua casa, ouvem-se três disparos. Delmiro morre. A polícia não descobriu os autores e mandantes.