
O H.M.S. Beagle zarpou do sul da Inglaterra, em 27 de dezembro de 1831, para uma expedição científica ao redor do mundo. Darwin tinha 22 anos e o capitão, Robert Fitzroy, 26.
Em fevereiro de 1832, chegaram a Salvador, passando antes pelos arquipélagos de São Pedro e São Paulo e de Fernando de Noronha. Darwin encantou-se com a exuberância da floresta tropical.
Suas impressões sobre Fernando de Noronha: “Uma ilhota onde os brasileiros mandam seus condenados ao exílio (…) Meu único dia em terra foi extraordinariamente interessante. A ilha toda é só um bosque fechado, tão recoberto de trepadeiras que é muito difícil andar fora das trilhas já abertas”.
Em Salvador, descobriu, também, o carnaval: “Difícil manter nossa dignidade”, anotou em seu diário.
Em abril, o Rio de Janeiro, onde ficaram 93 dias. Reclamou muito da burocracia e do ‘perfil’ do brasileiro: “Nunca é agradável submeter-se à insolência de homens de escritório, mas aos brasileiros, que são tão desprezíveis mentalmente quanto são miseráveis as suas pessoas, é quase intolerável”. Embora com certa razão, foi deselegante, arrogante, inglês!
Na pousada onde se hospedaram, as refeições atrasavam, às vezes, até duas horas para chegar: “A comida estará pronta quando estiver”, ouviam. O baixo afluxo de turistas ao Brasil ainda traduz esse rancor?
O tratamento dispensado aos escravos o horrorizou. Os avós de Darwin haviam participado ativamente dos movimentos abolicionistas do século 17.
“Em Maricá, um grupo de caçadores saiu no encalço de alguns escravos. A certa altura, os foragidos se viram encurralados em um precipício. Uma escrava, de certa idade, preferiu atirar-se no abismo a ser capturada pelo capitão do mato. ‘Praticado por uma matrona romana, esse ato seria interpretado como amor à liberdade, mas, vindo de uma negra pobre, disseram que tudo não passou de um gesto bruto’, relatou Darwin” (André Bernardo)
Noutro episódio que presenciou, em Conceição de Macabu, um capataz ameaçou separar 30 famílias de escravos e, em seguida, vendê-los separadamente como forma de punição: “infame”, escreveu.
Em 1836, rumavam para Cabo Verde, mas ventos contrários os fizeram voltar ao Brasil, mais precisamente para Recife. Darwin não gostou do que viu: “A cidade é por toda parte detestável, as ruas estreitas, mal calçadas e imundas; as casas altas e lúgubres”. Reclamou, também do mal cheiro do mangue.
O terror escravocrata, novamente, o atormentou: “Até o dia de hoje, sempre que ouço um grito distante, lembro-me vivamente do momento doloroso que senti quando passei por uma casa no Recife”.
Noutro ponto do seu diário, escreveu: “Ouvi os mais angustiosos gemidos, e não tinha dúvida nenhuma de que algum miserável escravo estava sendo torturado, entretanto, sentia-me tão impotente quanto uma criança”.
Em Olinda, ao cruzar algumas hortas para realizar os seus estudos sobre a natureza da região, foi proibido pelos donos das terras. “Devo aqui observar algo que aconteceu pela primeira vez em quase cinco anos de andanças: deparei-me com uma falta de cortesia”, relatou.
E arremata: “(…) Sinto-me feliz por ter isso acontecido na terra dos brasileiros, pois não sinto por eles nenhuma paixão – terra de escravidão e, portanto, de aviltamento moral”.
Ao deixar o país, despediu-se: “(…) No dia 19 de agosto deixamos finalmente as costas do Brasil. Dou graças a Deus, e espero nunca mais visitar um país de escravos”.