
Roland Barthes, semiólogo, morreu em 1980. Em 1977 escreveu “Fragmentos de um discurso amoroso”, no qual coleta marcos da experiência amorosa e faz uma análise fria e cínica.
Um trecho:
“Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um.
O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo.
Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transparência amorosa; uma é universal, a outra é específica.
Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo Esse?
Por que o desejo por tempo, languidamente? É ele inteiro que desejo (uma silhueta, uma forma, uma aparência)?
Ou é apenas uma parte desse corpo? E nesse caso, o que, nesse corpo amado, tem tendência de fetiche em mim?
Que porção, talvez incrivelmente pequena, que acidente? O corte de uma unha, um dente um pouquinho quebrado obliquamente, uma mecha, uma maneira de fumar afastando os dedos para falar?
De todos esses relevos do corpo tenho vontade de dizer que adoráveis.
Adorável quer dizer: este é o meu desejo, tanto que único (…)