
“… caso o mecanismo do relógio tivesse sido organizado de maneira diferente de como o vemos, com outras formas ajustadas umas às outras, ou numa ordem diversa, não teria sido animado por movimento algum e não teria servido para a finalidade que levou à sua realização. Surge espontaneamente o pensamento de que o relógio tenha sido projetado por alguém …” (William Paley)
Essa metáfora, do teólogo (clérigo anglicano) William Paley, divulgada em 1803 (56 anos antes da Origem das Espécies, de Darwin), ainda sustenta argumentos de criacionistas, ultimamente designados como adeptos do Intelligent Design (ID): da mesma forma como o relógio sugere um relojoeiro, também o projeto das coisas vivas sugere um projetista, Deus. Mais: não se poderia ficar satisfeito com a afirmação de que exista um “princípio de ordem que dispôs as partes do relógio em sua forma e situação presentes”.
Essa analogia não era nova, mas Paley a popularizou.
Não se explica como o relógio ‘evoluiu’ para uma mera funcionalidade num celular.
David Hume já havia contestado esse argumento, mas de forma vaga (talvez temendo represálias religiosas). Para ele, é possível que a ordem e a funcionalidade do mundo tenham surgido sem a intervenção de um desígnio consciente.
A ciência adota que a vida na Terra derivou da matéria inanimada, por meio de um processo espontâneo, extremamente lento, de crescimento gradual da complexidade funcional-molecular.
Isso se dá de forma determinista ou contingente? Haveria um balanceamento contínuo entre fatores causais e o ‘acaso’.
Goethe, na segunda parte de Fausto (1808), intuía:
“Todos vós bem sentis a ação secreta
Da natureza em seu governo eterno;
E de ínfimas camadas subterrâneas
Da vida o indício à superfície emerge.”

Em 1863, Friederich Rolle, um paleontólogo, geólogo e biólogo alemão, já afirmava, sobre a hipótese de que a vida derivaria da matéria inanimada:
“As razões gerais dessa assunção são de tal forma prementes que não duvido que, mais cedo ou mais tarde, será possível mostrá-lo de modo claro e científico, como também será possível repetir o processo experimentalmente.”
Hoje, a ciência avança pela ‘biologia sintética’, através da qual se procura produzir em laboratório estruturas biológicas ou formas de vida celular alternativas às que existem na natureza. O foco é: por que isso e não aquilo? Ou, por que a natureza utilizou certas estruturas e não outras?