
“Prezado Pastor:
(…) Escrevo-lhe agora para consultá-lo e pedir-lhe ajuda. É claro que, ao fazer isso, não vejo como evitar as diferenças fundamentais entre nossas visões de mundo. O senhor interpreta literalmente a Sagrada Escritura cristã. O senhor rejeita a conclusão da ciência de que a humanidade evoluiu a partir de formas inferiores. O senhor acredita que a alma de cada pessoa é imortal, fazendo deste planeta uma estação intermediária para uma segunda vida, uma vida eterna. A Salvação é garantida para aqueles que encontraram a redenção em Cristo.
Sou um humanista secular. Creio que a existência é aquilo que nós fazemos dela, como indivíduos. Não há garantia de vida após a morte, e céu e inferno são o que criamos para nós mesmos, aqui neste planeta. Não há nenhum outro lar para nós. A humanidade aqui se originou por meio da evolução, a partir de formas inferiores, ao longo de milhões de anos. E falarei claramente: sim, nossos ancestrais eram animais semelhantes a símios. A espécie humana adaptou-se física e mentalmente à vida na Terra, e a nenhum outro lugar. Nossa ética é o código de conduta que temos em comum, com base na razão, na lei, na honra e em um senso inato de decência, ainda que alguns o atribuam à vontade de Deus.
Para o senhor, a glória de uma divindade invisível; para mim, a glória do universo por fim revelado. Para o senhor, a crença em um Deus que se fez carne para salvar a humanidade; para mim, a crença no fogo que Prometeu arrebatou para libertar os homens. O senhor encontrou sua verdade final; eu ainda estou buscando a minha. Eu posso estar errado, ou o senhor pode estar errado. Talvez nós dois estejamos parcialmente certos.
(…) Exponho a questão dessa maneira porque o senhor tem o poder de ajudar a resolver um grande problema que me preocupa profundamente.
Minha sugestão é que deixemos de lado as nossas diferenças, a fim de salvar a Criação.
A defesa da Natureza viva é um valor universal. Ela não provém de nenhum dogma religioso ou ideológico. Não; ela serve, sem discriminação, aos interesses de toda a humanidade.
Pastor, a Criação – a Natureza viva – está enfrentando uma grave crise. Os cientistas estimam que, se a conversão dos habitats naturais e outras atividades humanas destrutivas prosseguirem no ritmo atual, metade das espécies de plantas e animais na Terra pode desaparecer, ou, pelo menos, estará fadada à extinção precoce até o final deste século.
Nada menos do que um quarto das espécies chegará a esse nível durante o próximo meio século, só como resultado das mudanças climáticas.
A taxa atual de extinção, calculada pelas estimativas mais conservadoras, é cerca de cem vezes maior do que a que predominava antes de o ser humano aparecer na Terra, e deverá ser pelo menos mil vezes maior nas próximas décadas.
Se a extinção continuar nesse compasso, o custo para a humanidade, em termos de riqueza, segurança ambiental e qualidade de vida, será catastrófico. (…)
Fico perplexo ao ver tantos líderes religiosos, que representam espiritualmente a grande maioria da população mundial, hesitar em tornar a proteção da Criação uma parte importante da sua doutrina.
Será que eles acreditam que a ética centrada no ser humano e a preparação para a vida após a morte são as únicas coisas que importam?
Parece que a convicção generalizada entre os cristãos de que o Segundo Advento de Cristo é iminente e que, portanto, a situação do planeta não merece atenção! Já que, 60% dos americanos acreditam nas profecias bíblicas relatadas no Apocalipse de são João (…)”
Trecho do livro “A Criação”, de Edward O. Wilson, biólogo.