
O barão Kurt von Hammerstein-Equord foi comandante do Exército alemão de 1930 a 1934.
Quando Hitler assumiu o poder supremo, no início de 1933, representava a encarnação da vontade unânime dos alemães. Havia sido eleito, tinha o apoio dos empresários e financistas e trazia a tiracolo a promessa das restaurações do orgulho e da economia do país.
Os inimigos foram caçados: comunistas e adversários em geral.
Os círculos influentes que ainda não o apoiavam foram ‘persuadidos’ a se aliarem. Entre esses estavam os militares. Com seu ambicioso programa de rearmamento e planos de expansão, logo passou a contar com a colaboração, até ‘simpatia’, da cúpula das Forças Armadas. Mas, nem todos se curvaram. Foi o caso de Hammerstein.
Hammerstein resistiu a todas as abordagens de Hitler e se manteve fiel a si mesmo e suas convicções. Ele tinha uma visão cosmopolita – não guerreira – da Alemanha. Perdeu o posto, mas não a dignidade.
Nos anos 1933-34, a SA, a milícia de Hitler, comandada por Ernst Röhm, tinha chegado a 4 milhões de membros. Röhm era ‘amigo’ íntimo do líder e proclamava uma ‘segunda revolução’: queria submergir as Forças Armadas, numericamente muito inferiores.
Mas Hitler tinha uma visão ‘utilitarista’ de amizade: amigos são os que ainda são úteis. Röhm já não era tão útil, até incomodava e, tinha as milícias ao seu lado.
Röhm sentiu-se traído por Hitler. Falou a um colega: “Adolf é um pilantra, está nos traindo. Agora só anda com reacionários. Não quer saber dos velhos camaradas e vai atrás daqueles generais prussianos. Agora são seus confidentes … Adolf sabe muito bem o que eu quero. Nada de uma segunda versão do Exército imperial. Isto é ou não é uma revolução? Precisamos criar uma coisa nova … E agora querem que eu ande com esse rebanho de veteranos velhotes …”
Hitler ordenou que Röhm e toda a liderança da SA fossem assassinados por unidades da SS, sua nova milícia. Pelos menos duzentos morreram.
Não só membros da SA foram mortos. Junto foram o ex-chanceler e sua mulher (contavam piadas sobre Hitler) e vários militares não ‘amigos’. As Forças Armadas não levantaram nenhuma objeção. Na cara de pau, Hitler disse que alguns generais foram fuzilados “por engano”.
Hammerstein já não era o comandante do Exército, havia sido deposto em janeiro de 34. Ele só não foi morto graças a um pedido pessoal de Hindenburg.
Isso abriu os olhos de muita gente. Nem todos, entretanto, queriam ver.
O conselheiro jurídico do novo Reich, Carl Schmitt, escreveu: “O Führer protege o direito. Na verdade, o ato do Führer constitui a jurisdição. Ele não se submete à justiça, ele mesmo constitui a mais alta justiça.” Bajulação não é uma invenção brasileira.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Hammerstein se envolveu em vários complôs para derrubar Hitler, inclusive na tentativa fracassada de 20 de julho de 1944.
Morreu em abril de 1943, vítima de um câncer na cabeça.
“Tenho vergonha de pertencer a um exército, que presenciou e tolerou todos os crimes”.
Fonte principal: ” Hammerstein ou a Obstinação”, de Hans Magnus Enzensberger.