
“Não há mudança de morte no paraíso?
A fruta madura nunca cai? Ou faça os ramos
Pendure sempre pesado naquele céu perfeito,
Imutável, mas tão parecido com nossa terra perecendo,
Com rios como o nosso que procuram mares
Eles nunca encontram, as mesmas margens recuando
Que nunca toque com angústia inarticulada?
Por que colocar a pera nas margens do rio
Ou temperar as praias com odores de ameixa?
Que pena que eles devem usar nossas cores lá,
As tecelagens de seda de nossas tardes,
E escolha as cordas de nossos alaúdes insípidos!
A morte é a mãe da beleza, mística,
Dentro de cujo seio ardente planejamos
Nossas mães terrenas esperando, sem dormir.” (Trecho do poema “Domingo de manhã”)
CANÇÃO
Há coisas esplêndidas acontecendo
No mundo,
Coelhinho.
Há uma donzela,
Mais doce que o som do salgueiro,
Mais suave que água rasa
Correndo sobre seixos.
No domingo,
Ela veste um casaco longo,
Com doze botões.
Conta isso à tua mãe.
O CÉU CONCEBIDO COMO UM TÚMULO
Que me dizeis, intérpretes, dos que
No túmulo do céu andam à noite,
Fantasmas negros da comédia finda?
Creem, talvez, que vagarão pra sempre
No frio, no escuro, com lanternas altas,
Libertos da morte, a buscar sem trégua
O que quer que busquem? Ou a lembrança
Do enterro, portão da espiritual
Chegada ao nada, é antevisão diária
Daquela noite única e abissal
Em que as hostes não mais caminharão,
Nem mais lanternas riscarão a treva?
Gritai essa pergunta aos céus, que a ouçam
Os sombrios comediantes, e a respondam
Do seu longínquo e gélido Élysée.
“É uma ilusão que alguma vez fomos vivos,
que vivemos na casa de nossas mães, que nos organizamos
por nossos próprios movimentos em uma liberdade etérea (…)
Mesmo nossas sombras, as sombras deles, não mais permanecem.
Essas vidas vividas na mente estão chegando ao fim.
Elas nunca foram … Os sons da guitarra “
Vida de poeta foi algo que Wallace Stevens (1879–1955) definitivamente não teve: rico, eleitor do Partido Republicano, quase sempre de terno e gravata nas fotos, trabalhou desde 1916 numa grande companhia de seguros, chegando a tornar-se vice-presidente da firma. Viajava principalmente a trabalho – nunca foi à Europa – e, quando fazia uma viagem de lazer, ia principalmente à Flórida, sem a mulher, onde pescava, bebia (ela não o deixava beber em casa) e brigava (uma vez com Hemingway, de quem levou uma surra).
Traduções e comentário de Paulo Henriques Britto.