
“Quando eu morrer, quando vocês perceberem que eu morri, cubram o meu corpo. Ninguém deve ver meu corpo, não se pode deixar ver o corpo de uma mãe. Vocês, que são minhas filhas, têm a obrigação de cobri-lo, cabe somente a vocês fazer isso. Ninguém pode ver o cadáver de uma mãe, pois senão ela vai perseguir vocês que são as filhas … ela vai atormentá-las até o dia em que a morte leve vocês também, até o dia em que vocês vão precisar de alguém para cobrir seus corpos.” (Stefania, a matriarca)
“Minha mãe, muitas vezes interrompia uma das inúmeras tarefas cotidianas de uma mulher, como varrer o pátio, descascar legumes, catar feijão e sorgo, remexer a terra, desenterrar batata-doce, descascar bananas antes de cozinhá-las … e chamava a nós três, suas filhas mais novas.”
Assim começa o relato do extermínio da família de Scholastique Mukasonga durante o genocídio de Ruanda, em 1994.
Lembrando: em cem dias, em 1994, cerca de 800 mil pessoas foram massacradas em Ruanda por extremistas étnicos hutus, vitimando membros da comunidade minoritária tutsi.
“Não cobri o corpo da minha mãe com o seu pano. Não havia ninguém lá para cobri-lo. Os assassinos puderam ficar um bom tempo diante do cadáver mutilado por facões. As hienas e os cachorros, embriagados de sangue humano, alimentaram-se com a carne dela. Os pobres restos de minha mãe se perderam na pestilência da vala comum do genocídio, e talvez hoje, mas isso não saberia dizer, eles sejam, na confusão de um ossuário, apenas osso sobre osso e crânio sobre crânio.” (Scholastique Mukasonga)
“Mãezinha, eu não estava lá para cobrir o seu corpo …”