
A realidade “ficcional” e a “real” se confundem num mundo cada vez mais virtual, aponta Byung-Chul Han. As saídas assumem, em geral, o papel de fugas.
O pensar virou um palavrão, coisa de ‘intelectual’, outro nome para ‘inútil’, e impõe-se que só se permite duvidar das opiniões dos outros, nunca das próprias (introjetadas).
O mundo fica crescentemente confuso. Alguns agentes “anônimos” trabalham deliberadamente para que muitos não vejam o real, mas o dito como tal, numa escala só imaginada por Orwell, abrindo-se espaço para o “puro poder”. As redes sociais tornam isso possível.
Os patrocinadores dos ‘guias’ nacionais, entretanto, se prostram a Mamon, o demônio da riqueza e posses materiais, segundo Eugene McCarraher e tornam-se profetas de uma nova religião, que segue o livro sagrado do capitalismo, e os rituais selvagens do liberalismo.
“Uma filosofia política (liberalismo) que foi lançada para criar maior igualdade, defender uma tapeçaria pluralista de diferentes culturas e crenças, proteger a dignidade humana e, é claro, expandir a liberdade, na prática gera uma desigualdade titânica, reforça a uniformidade e a homogeneidade, incentiva a degradação material e espiritual e fragiliza a liberdade.” (Patrick Deneen)
O processo de desencantamento do mundo, anunciado por Max Weber, tanto no campo religioso (retirar a magia do seu interior) quanto científico (prevalência do método científico), oscila e nunca se conclui.
O foco na riqueza material, o reforço social do sucesso, a divulgação de fotos com felicidade explícita, a óbvia possibilidade que a meritocracia permite e … a realidade do desemprego, baixos salários, altas demandas de futilidades pela família e entorno e outros contratempos, deixam o cidadão confuso, à procura de explicações para o seu desastre pessoal.
A razão, claro, lhe é mostrada: os outros, inimigos do sonho legítimo. E o paladino aparece para lhe defender, com o único requisito de que não o questionem. É tudo o que o cidadão quer, não pensar. Aparece, como sócio, o diligente líder religioso, para completar sua salvação.
Na semana passada, o ministro da Educação, que também é pastor, diagnosticou: a descrença em Deus transforma parte dos jovens brasileiros em zumbis existenciais. Segundo ele, faltam ‘absolutos’ e ‘certezas’, o que torna a vida sem propósito, sem motivação.
Quem discordaria? Eu.
Não carecemos de ‘absolutos’ e ‘certezas’; precisamos de espiritualidade, de amor ao próximo, de inserção no todo e respeitá-lo. Precisamos de boa-vontade.
O Divino se mostra nos contrastes, nas diferenças, nas variedades de vidas, expectativas, tudo. Ele nos mostra que tudo muda, portanto, não devemos cultivar certezas, exceto a da morte. Devemos aprender a enfrentar as mudanças que traduzem a vida; pelo menos a nos prepararmos para elas. O mundo é o ‘Esplendor do Caos’, nos termos de Eduardo Lourenço.
Antológico.
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Que bons ventos levem sua lucidez a todos os cantos de nosso Brasil cansado.
Parabéns.
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