
“Considerem, rapazes,
Esta língua roída pelo câncer;
Sou professor de um colégio obscuro
E perdi a voz de tanto dar aulas.
(Depois de tudo ou nada
Faço quarenta horas semanais.)
Que tal minha cara esbofeteada?
Verdade que dá pena só de olhar!
O que acham deste nariz apodrecido
Pela cal de um giz tão degradante?
Em matéria de olhos, a três metros
Não reconheço minha própria mãe.
O que aconteceu? – Nada!
Acabei com eles de tanto dar aulas:
A luz ruim, o sol,
A venenosa lua miserável.
E tudo isso para quê?
Para ganhar um pão imperdoável
Duro como a cara do burguês
Com sabor e cheiro de sangue.
Para que nascemos como homens
Se nos dão uma morte de animais!?
Às vezes, pelo excesso de trabalho,
Vejo formas estranhas pelo ar,
Ouço corridas insanas,
Risadas e conversas criminais.
Vejam só estas mãos,
Estas bochechas brancas de cadáver,
Estes poucos cabelos que me restam
E estas negras rugas infernais!
No entanto, eu fui assim como vocês,
Jovem, cheio de belos ideais,
Sonhei que fundia o cobre
E limava as faces do diamante:
E hoje aqui estou eu
Atrás dessa mesa desconfortável
Embrutecido pelo lenga-lenga
Das quinhentas horas semanais.”
Nicanor Parra, chileno, morreu em 2018, aos 103 anos.