
Joseph Roth foi enviado por um jornal alemão à Rússia, para relatar a transformação comunista, em 1926, nove anos após a revolução. Ele, como tantos intelectuais, era simpatizante da mudança social que o leninismo conduzira na grande Rússia. Lenin havia morrido em 1924; em 1921 implantou a NEP, a Nova Política Econômica, um afago ao capitalismo, com a entrega das pequenas explorações agrícolas, industriais e comerciais à iniciativa privada. Roth partiu bolchevique e regressou monarquista. Sua lucidez lhe permitiu ver a miséria sombria daquele ‘novo homem soviético’.
Num trecho da viagem, indo de vapor a Astracã, relata a metamorfose revolucionária para um novo do mesmo:
“O vapor do Volga leva o nome de um famoso revolucionário russo e tem quatro classes de passageiros. Na primeira viajam os novos burgueses da Rússia, os homens NEP, rumam às férias de verão. Eles comem na sala de jantar, diante do retrato do famoso revolucionário. Jogam 66 e reclamam do governo.
O garçom não tem nenhuma consciência de classe. Quando os vapores tinham nomes de grão-príncipes, já era garçom. Uma gorjeta provoca no seu rosto aquela expressão servil de respeito que faz esquecer toda a revolução.
A quarta classe se encontra bem embaixo. Seus passageiros arrastam fardos pesados, cestas baratas, instrumentos musicais e ferramentas agrícolas.
Dormem em gavetas de madeira de dois andares, beliches. Comem abóboras, procuram parasitas na cabeça de crianças, amamentam recém-nascidos, lavam fraldas …
Durante o dia, esse espaço apertado é vergonhoso, barulhento e indigno. Mas durante a noite é tocado por um sopro de piedade. Tão sagrada parece a pobreza dormindo. Em todos os rostos se encontra o verdadeiro páthos da ingenuidade.”