
A pintura “Paisagem com a Queda de Ícaro”, realizada ao redor de 1560 por Pieter Bruegel, o Velho, é rica semanticamente.
Do intrépido Ícaro aparecem só as pernas, no mergulho para a punição pela desobediência ao pai, Dédalo.
O mito é conhecido: Dédalo construiu o labirinto do qual Teseu escapou. O rei Minos, de Creta, achando que a responsabilidade era dele, o prendeu numa torre, de onde só se poderia fugir pelo ar. Habilidoso, construiu asas para si mesmo e para seu filho, Ícaro. Ensinou o filho a voar, instruindo-o para não voar muito baixo, pois a umidade emperraria as asas e, nem muito alto, pois o calor derreteria a cera. O manual de instruções aconselhava a voar numa altura moderada, perto de seu pai. O rapaz, como é próprio da idade, empolgou-se e, desastre.
Na tela, a queda mitológica de Ícaro passa despercebida pelos presentes; cada um continua cuidando da própria vida como se caíssem ícaros habitualmente. Por eles, essa estória não viraria mito. A pintura parece criticar essa indiferença, típica dos flamengos, que têm um dito: “E o agricultor continuou a lavrar …”.
“(…) No Ícaro de Bruegel, por exemplo: tudo volta as costas
calmamente ao desastre: o lavrador talvez tenha
ouvido o mergulho, um grito no ar;
mas para ele não era nada demais; o sol brilhava
como sempre sobre as pernas brancas que afundavam na água esverdeada;
e o delicado, luxuoso barco que viu, talvez
aquela coisa surpreendente, um rapaz caindo do céu,
tinha um destino a atingir, e para ele suavemente navegou.”
(W. H. Auden, tradução de José Paulo Paes)