
“Vêm aí dias piores.
O tempo adiado até nova ordem
surge no horizonte.
Em breve deves amarrar os sapatos
e espantar os cães para os charcos.
Pois as vísceras dos peixes
esfriaram no vento.
A luz da anileira arde pobremente.
Teu olhar pressente a penumbra:
o tempo adiado até nova ordem
desponta no horizonte.
Do outro lado afunda tua amada na areia,
ele sobe-lhe pelo cabelo esvoaçante,
ele corta-lhe a palavra,
ele ordena-lhe silêncio,
ele encontra-a mortal
e pronta para a despedida
depois de cada abraço.
Não olha para trás.
Amarra teus sapatos.
Espanta os cães.
Joga os peixes ao mar.
Anula a anileira!
Vêm aí dias piores.”

Ingeborg Bachmann morreu em 1973. Era doutora em filosofia, porém revelou-se como uma das vozes líricas mais poderosas da língua alemã do século passado.
Ela, austríaca, presenciou as tropas nazistas marcharem por sua cidade quando tinha onze anos. A vulgaridade da linguagem do Reich e a desolação causada pela guerra marcaram sua produção. Sabia que a linguagem pode ser capaz de construir mundos ou aniquilá-los.