
O ódio move, talvez tanto quanto a paixão. Como a paixão, sua materialização não sacia.
Dia desses, li sobre uma mulher que largou sua vida e dedicou-se unicamente a buscar vingança, num relato de Drauzio Varella. Sua irmã de 15 anos foi estuprada e esfaqueada na região genital. A revolta a fez largar o emprego, o namorado e os amigos e foi à caça do criminoso, um segurança de uma construção. Passava os dias atrás de pistas que a levassem ao estuprador. Finalmente, encontrou-o numa padaria. Seduziu-o facilmente com um sorriso e marcaram para se encontrarem no final da tarde. Algumas cervejas e ela o convidou para seu apartamento. No caminho, numa área desabitada, tirou o revólver da bolsa, obrigou-o a se ajoelhar, mostrou-lhe a fotografia da irmã e deu o primeiro tiro no abdômen, para doer. “O tiro de misericórdia veio com um quê de frustração por dar fim ao sofrimento do desafeto.” Foi condenada a 12 anos, mas não estava arrependida. O ódio continuava.
Ao ler a história senti ódio do sujeito. A Justiça não tem esse comprometimento. E, sendo a vítima mulher, negra e pobre, ela tende a ser ignorada.
O ódio não é morno nem neutro. Ou se adere ou é preferível que saia da frente.
Esse ódio é material, houve um fato e com uma pessoa próxima. Acho-o justificável; é o que historicamente nos leva a perseguir alguma justiça.
Entretanto, o ódio que vemos disseminado por aí, tem outra natureza: é fruto da intolerância com o outro – por qualquer diferença, inclusive de opinião – e expressa uma fragilidade ressentida.
Suas razões podem ser o medo, o esvaziamento (espiritual, profissional, afetivo …), humilhação continuada, impotência frente à avalanche de incertezas (e da fluidez e instabilidades sinalizadas pelo futuro), sentimento de não-pertencimento e indiferença social, falta de reconhecimento etc. que levam à anulação da empatia.
Essa é a matéria prima política que populistas sabem capitalizar, levantando bandeiras.

Uma só face e suas múltiplas fantasias.
Oportuno meu caro Dorgival.
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