
Seus pés pareciam cascos como falava sua mãe, pele castigada pela recusa de usar calçados.
Morando no interior, corria feliz de um lado para o outro.
Os arranha-gatos, uma planta cheia de espinhos se dobrava diante dele, um ou outro pequeno arranhão apenas.
Manteve seu costume até começar a frequentar a escola, e mesmo assim, após usar o
desconfortável sapato durante cinco longas horas mais um trajeto de uma hora para ir e para voltar, sua primeira providencia era tirar o desconfortável calçado que apertava seus pés.
E corria feliz por seu mundo imaginário entre princesas e dragões.
Na sua imaginação era o cavaleiro de armadura brilhante, e seu cabo de vassoura era um alazão branco como a neve.
Em sua tenra infância queria salvar o mundo.
Imaginava os monstros que iria enfrentar, decepando uma a uma as infernais criaturas.
E no final, a princesa agradecida concederia a ele um doce beijo.
E este menino de pés descalços foi crescendo, se tornando adulto.
Estudo, dedicação e muito trabalho.
Tornou-se um profissional respeitado, mas não salvou o mundo e muito menos a princesa.
Não decepou as criaturas infernais.
Em sua vida adulta, os monstros que enfrenta são outros, muito mais perigosos e traiçoeiros.
Pressa, agitação e compromissos permeiam sua vida de gente grande.
Coração acelerado, estresse, cansaço e as decepções do dia a dia.
Uma puxada de tapete aqui, outra lá e muito equilíbrio para não cair, os monstros da vida real atacam a todo minuto, não dão trégua.
Responde e-mails, mensagens de WhatsApp e atende ligações, tem que pensar rápido.
Muitos concorrentes desleais, só que estes ele não pode decepar.
Pobre menino dos pés descalços, relegado a uma sombra do passado, uma feliz lembrança.
Seus sonhos de meninice se perderam no tempo, no vazio.
Sua alma antes livre, agora se sente prisioneira das tarefas e responsabilidades do dia a dia.
Suas aventuras em castelos de chocolate ficaram para trás.
Sentado em seu escritório, olha pela janela, e um desejo profundo invade sua mente.
Como se fosse uma dor.
Uma dor que invade o peito pelo que foi perdido.
Um simples desejo de voltar a ser o menino de pés descalços.