“Tinha eu cerca de onze anos quando meu respeitável mestre, Czerny, me levou para ver Beethoven. Já havia muito tempo o meu professor tinha falado a Beethoven de mim, pedindo-lhe que me desse audiência algum dia. Todavia, Beethoven tinha tal aversão a crianças-prodígio que persistentemente se recusou a me ver.
Finalmente Czerny, incansável, persuadiu-o, de sorte que Beethoven, com impaciência, disse: “Bem, traga-me o maroto, em nome de Deus!”
Eram cerca de dez horas da manhã quando adentramos nos dois pequenos aposentos onde Beethoven morava então. Eu estava muito tímido, Czerny, amável e animador.
Beethoven estava trabalhando, sentado a uma mesa comprida e estreita perto da janela. Carrancudo, perscrutou-me por um tempo com os olhos; trocou algumas palavras apressadas com Czerny e ficou em silêncio quando o meu professor me chamou ao piano.
A primeira coisa que toquei foi uma peça breve de Ries. Quando terminei, Beethoven perguntou-me se eu sabia tocar uma fuga de Bach. Escolhi a Fuga em dó menor do Cravo bem-temperado. “Saberia você, também, transpor esta fuga em outra clave?”, perguntou-me Beethoven. Felizmente, eu sabia. Depois do acorde final, levantei os olhos. O olhar torvo e ardente do Mestre estava fito em mim de maneira penetrante. Todavia, de súbito, um sorriso benévolo desfez-lhe as feições sombrias. Beethoven achegou-se para bem perto de mim, curvou-se em minha direção, pôs a mão sobre a minha cabeça e repetidas vezes afagou-me o cabelo. “Diabo de rapaz!”, sussurrou, “que jovem maroto!”
Súbito cobrei coragem: “Posso tocar alguma coisa do senhor agora?”, perguntei-lhe. Beethoven anuiu com um sorriso. Executei o primeiro movimento do Concerto em Dó maior. Quando terminei, Beethoven segurou-me ambas as mãos, beijou-me a fronte e disse afavelmente: “Você é um rapaz venturoso, pois dará felicidade e alegria a muitas outras pessoas. Não há nada melhor ou mais importante do que isso!”
Esse acontecimento da minha vida permanece o meu maior orgulho, o paládio de toda a minha carreira artística. Falo dele apenas mui raramente e somente aos meus amigos mais íntimos.”
Em dezembro, o mundo celebrará os 250 anos do nascimento de Beethoven.
No texto a seguir, há um vídeo com sua Quinta Sinfonia:
(https://www.deutschland.de/pt-br/topic/cultura/beethoven-comemora-250-anos)